Comentário: Residência médica: como melhorar sem os três anos?
Residência médica: como melhorar sem os três anos?(*) Em maio deste ano, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) reuniu-se em Brasília com representantes das associações de 35 especialidades médicas, a fim de reformular os requisitos mínimos para o credenciamento de programas de residência médica. Nesse encontro, há muito esperado, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) encaminhou suas sugestões, derivadas de um grupo de trabalho e de uma enquete nacional realizada junto a todos os coordenadores de programas e professores titulares de psiquiatria.1 Atualmente, 47 programas de residência em psiquiatria estão credenciados pelo CNRM. Pouco mais que a metade dos serviços e 72% das vagas encontram-se no Sudeste (Tabela). Até há pouco, esses dados não se obtinham facilmente, e a própria CNRM admite que ainda não tem um cadastro 100% confiável.
A residência médica tem sido reconhecida como uma forma eficiente de treinamento profissional. O primeiro programa surgiu nos Estados Unidos, em 1889, no John´s Hopkins Hospital, coordenado por um ícone da cirurgia, William Halsted.2 No Brasil, o primeiro programa foi em ortopedia, implantado no Hospital das Clínicas da USP, em 1945. Na área de psiquiatria, os primeiros iniciaram-se no Instituto de Previdência e Assistência ao Servidor do Estado do Rio de Janeiro (Ipase), em 1948, e no Hospital das Clínicas da USP, em 1951.3 O Conselho Nacional de Residência Médica foi criado em 1977, e os requisitos mínimos para a residência em psiquiatria foram definidos em 1983 com dois anos de treinamento em três serviços (internação, ambulatório e urgência), um único curso (psicofarmacologia) e dois estágios obrigatórios (neurologia e saúde mental). Todos os presentes ao encontro admitiram: a legislação está defasada, e ainda neste ano deveriam sair as mudanças. Passado o tempo, ninguém se conformava mais com os antigos critérios, cobrados em porcentagens, um a um, meticulosamente, a cada recredenciamento. Na prática, os programas de residência em psiquiatria foram à frente, introduzindo novos cursos e estágios, à medida que o conhecimento e os serviços foram se aperfeiçoando.4 Isto ocorreu, por exemplo, na área de interconsulta, que, há dez anos, já era prática corrente em 90% dos programas e curso obrigatório em 55% deles.5 Não só os programas de residência progrediram; as sociedades médicas também, juntamente com os nomes de suas especialidades (não há consenso entre as denominações do CNRM, Conselho Federal de Medicina e Associação Médica Brasileira). A CNRM gostaria de, junto com essas entidades, padronizar a nomenclatura das especialidades, além de repensar a concessão de certificações (pelo MEC) e de títulos de especialista. Várias sociedades de especialidades, incluída a ABP, reivindicaram um aumento no número de anos obrigatórios em suas residências. Esse tema esbarrou em pelo menos três ordens de discussões: financiamento, necessidades da sociedade e competência das instituições onde ocorre o treinamento. Há, no país, 17.197 médicos residentes, distribuídos em 356 programas de residência médica. As principais entidades mantenedoras são o Ministério da Saúde (com repasse de verba do SUS), a Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo, de São Paulo) e o MEC. Mexer no número de bolsas, que não se alterou nos últimos seis anos, é dificílimo no presente. A alternativa seria o remanejamento do dinheiro, penalizando as bolsas concedidas a anos "opcionais" e reduzindo o número de vagas de ingresso. O clima presente no encontro parecia preparar a continuidade dos dois anos obrigatórios, ao contrário da sugestão da ABP (três anos) e do que existe na maioria dos países onde há residência em psiquiatria (só para dar um exemplo, a Argentina prepara-se para o quarto ano obrigatório). Além das dificuldades referentes ao financiamento, representantes da CNRM referiram-se a diferenças existentes entre os programas: nem todos seriam competentes para prolongar com o novo e com a devida qualidade. Houve, também, a ponderação de que a sociedade não poderia aguardar um "superespecialista" que passasse muito tempo na residência médica... Por tudo isso, será difícil ver, numa nova resolução oficial, a residência em psiquiatria sendo cumprida em três anos obrigatórios. Outras sugestões levadas pela ABP têm mais chances de ser encampadas pela CNRM: seleção em duas fases (eliminatória e classificatória); cinco cursos obrigatórios (psicopatologia, psiquiatria clínica, psicofarmacologia e outras terapias biológicas, psicoterapia, desenvolvimento humano); estágios obrigatórios (ambulatorial, incluindo serviço extra-hospitalar; internação; emergência; interconsulta; neurologia); avaliação ao final de cada estágio (conhecimento, habilidades, atitude). Pelo menos três anos de residência são necessários para formar um psiquiatra. É o que a ABP reivindica, apoiada por 78% dos coordenadores de programas de residência e por professores titulares de psiquiatria. Se isso não for aprovado, ter-se-á que superar o paradoxo de aumentar o conteúdo teórico dentro da mesma carga horária (pois 80-90% do tempo deverão continuar dedicados à assistência) e de treinar bem, em novas práticas e estágios a mais, um profissional competente. Tudo isso, em dois anos! Neury José Botega (*) Texto extraído da Revista Brasileira de Psiquiatria - ISSN 1516-4446 - Rev. Bras. Psiquiatr. vol.23 no.3 São Paulo Sept. 2001
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Fonte: Revista Brasileira de Psiquiatria